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  • 27/08/2014

A bossa negra de Hamilton de Holanda e Diogo Nogueira

Diogo-e-Hamilton

Bandolinista une suas dez cordas ao canto do filho de João Nogueira em disco inspirado nos ‘Afro sambas’

por Silvio Essinger
26/08/2014 6:00 / Atualizado 26/08/2014 9:26

RIO - Segundo o bandolinista Hamilton de Holanda, o disco não tem absolutamente nada a ver com “A bossa negra” (1961), de Elza Soares — embora Elza, no conjunto da obra, tenha a ver com o disco. Já a ligação entre a arte gráfica do CD e as dos LPs “Coisas” (1965) e “Ouro negro” (2001), do maestro Moacir Santos é, para ele, “pura coincidência”. A “Bossa negra” que Hamilton acaba de lançar, pela Universal Music, junto com o cantor e estrela do samba Diogo Nogueira, se localiza num universo amplo, difícil até de se delimitar, no qual podem ser encontrados elementos de Pixinguinha, Baden Powell, Vinicius de Moraes, Caetano Veloso, Donga, Dorival Caymmi e Milton Nascimento.

— A gente não pensou na “Bossa negra” como um jeito de se tocar ou um estilo. Era só um nome forte, sonoro, que apareceu. Poderia ser bossa de várias outras coisas, não só negras. O ritmo vem do batuque, com certeza. Mas tem um pouco da harmonia da bossa nova e a influência do choro. Já ouvi gente dizer que tem um pouco de fado — diz o bandolinista, que faz com Diogo o show de lançamento do disco, na terça e na quarta-feira, às 21h, no Teatro Net.

A gênese do disco está no encontro que os dois tiveram em 2009, num camarim em Miami, depois do show que fizeram juntos, só de bandolim e voz.

— Rolou uma sintonia muito grande e, batendo um papo, veio a ideia de compor algo na linha dos “Afro sambas” (de Baden e Vinicius). E logo ali saiu, do nada, o nome “Bossa negra” — conta Hamilton.

— A gente teve vários encontros depois disso. E, no final do ano passado, veio a vontade de fazer shows em São Paulo e no Rio com as canções dos compositores que a gente achava que tinham ver com o “Bossa negra” — emenda Diogo. — Foi um sucesso, e aí a gente partiu para gravar aquilo e fazer as nossas canções.

No estúdio, eles registraram “O que é o amor” (Arlindo Cruz, Maurição e Fred Camacho), “Risque” (Ary Barroso) e de uma junção de “Mineira” (de João Nogueira, pai de Diogo, e Paulo César Pinheiro) e do “Samba do arerê” (Xande de Pilares, Arlindo e Mauro Jr.). Foi, segundo Hamilton “o embrião do disco, para ver o que ia acontecer”, que ele disponibilizou para audição em seu site oficial.

Com a resposta favorável a essas primeiras músicas, eles partiram então para a composição, em parcerias diversas, nos encontros que aconteciam nas brechas de suas movimentadas agendas. Arlindo Cruz, artista que também não costuma ficar muito tempo parado, chegou a mandar, de Belém, por WhatsApp, a parte que faltava para o samba “Brasil de hoje”.

No meio do processo de gravação, que começou em fevereiro e se estendeu por três meses, apareceu até uma inédita de João Nogueira e Paulo César Pinheiro.

— “Salamandra” foi um achado. Eu sabia que a música existia e ia gravar num disco meu, só que isso não aconteceu. O Paulinho Albuquerque, produtor do disco, que tinha canção, morreu, e a fita se perdeu — diz o cantor. — Eu só sabia um trecho dela e fui ao Paulo César, que cantou para mim lá na hora e eu gravei no iPhone.

Para levantar a “Bossa negra” do chão, Hamilton de Holanda partiu de um conceito instrumental em que o bandolim assume um maior papel harmônico, “como um instrumento de contraponto e de solo, o tempo inteiro criando uma cama para a melodia principal do canto”. E o fez trabalhar ativamente com o baixo de André Vasconcellos.

— Quando comecei a pensar nesse formato, falei para o André: você é a mão equerda do piano e eu sou a direita — conta.

Faltava apenas a percussão. Para tocá-la, Hamilton convocou Thiago da Serrinha, músico criado no jongo, e com ele desenvolveu um conjunto de peças que denominou de “percuteria”: uma caixa de escola de samba, um repique de anel, um atabaque de jongo, um surdo transformado em bumbo e um prato.

“Bossa negra” é encarado tanto por Hamilton quanto por Diogo como um projeto especial, que não atrapalha as suas carreiras. Eles começam pelo Rio uma série de shows que se estende para São Paulo (dias 2 e 3 de setembro, no Teatro Net), volta em seguida ao Rio (dia 10, no Imperator), vai a Paraty (dia 10 de outubro, no festival MIMO) e segue pelas capitais brasileiras. O plano da dupla é mostrar esse disco no exterior, ao vivo, a partir do ano que vem (a Universal tem planos de lançar o CD internacionalmente).

— A gente quis se juntar para fazer um disco do qual a gente tivesse orgulho, mas o que realmente vai acontecer, a gente vai ver agora — diz Hamilton, que grava em novembro, na Itália um DVD com o pianista Stefano Bollani (seu velho parceiro de shows em duo) e que estuda a realização de um disco e/ou DVD do Baile do Almeidinha (seu projeto de bailes que completou dois anos na semana passada).

Enquanto isso, Diogo Nogueira vai selecionando repertório para um DVD, o seu primeiro pela Universal, a ser gravado ao vivo em janeiro, provavelmente em São Paulo, onde tem um público fiel. Parte desse novo trabalho será feito em colaboração com Bruno Cardoso e Lelê, do time de produção que surgiu do grupo de samba romântico Sorriso Maroto. O que, segundo o cantor, não deve ser tomado como indicativo de nada.

— Eu sigo o meu caminho, como eu faço em todos os meus trabalhos. Eu fiz propositalmente o meu disco romântico (“Mais amor”, do ano passado), mas acho que as pessoas não entenderam, acabaram levando para um outro lado. Pretendo fazer esse DVD com tudo que eu sempre fiz na minha carreira — explica.

Fonte: O Globo

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